albatroz - images, songes & poésies

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brás da costa — mar de chamas

mar de chamas

 

 

chegou o momento de espraiar

meter azul e oiro entre espinhaços

pegar fogo às lambretas

assustar os gatos, bater o pé aos cães, berrar :

 

— ó senhora ! minha senhora... ó da casa ?

 

surripilhar na berma da estrada uma papoila vermelha

vê-la definhar-se na palma da mão num instante

soltar de permeio uma assobiadela estridente

os cães voltam a ladrar, respondem outros cães

ao longe muito longe

 

— ké cu senhor ker ?

 

recordar aquelas kumilonas de tacão alto e meia de seda

sem bainha deslizar na pista do Jordão embaladas

pelos slows de fausto papetti

uivar aos primeiros acordes da farândola

final : mamã eu quero, mamã eu quero chupar

dá-me a chupeta...

 

— vossemecê está a ouvir, ó senhor ?

 

o Jordão que não era rio não era nada

nem sequer reminiscência bíblica, não era nada

repetia para me convencer daquela frivolidade

... que sufocava que alucinava que desatinava

e agora eu

outra vez desaparelhado na grande algazarra final

desvairado pelo rodopio das saias

pelo cheiro a mulheres,

pelo cheiro a curtumes

vasculhar nas fendas do muro do convento

extrair com dois dedos o marlboro maculado pela humidade

agonizar com o tabaco americano para esquecer

romper pela madrugada fora, monte acima, enfrentar

a encruzilhada das veredas

 

— a hora cheira a azeite !

e não pensar não pensar que o Ebro possa sair

do seu leito mas apenas na morena

de saia de xadrez azul escocês

que pede com doçura um pastel de nata,

 

— sem piripiri faz favor !

 

ler e reler devagarinho Fernanda cravo & canela

meditar, planear, prever a táctica do inevitável

do fatal encontro que vai decidir tudo

e que o sol estoire, foutre !

que as estrelas valsem

que o diabo enrabe a puríssima Virgem Maria

quando lhe der na real gana, foutre !

como se fosse uma imensa promessa de pão-de-ló nupcial

um hino à marmelada tropical

um raio de luz do espírito santo sem c'roas nem glória

ou o voo inesperado duma pêga martelando o lajeado

na rua das andorinhas com tacões de estaleca:

uma faneca morena de olhos verdes — quem diria !

 

— vens, filho ?

 

entre o vale dos lençóis amarrotados

do assoalhado frio e triste da rua de santa maria dos agoniados

onde um cachopo berra desalmado

riba d'ave, minhocas, caracóis, no calorão do verão

moleiros enlutados estrada acima, estrada abaixo

afagam distraídos o cachaço da mula carregada

de sacos de farinha de milho com orelhas de suíno

entre uma prece da terça-feira de cinzas

e a grande fila indiana de mendigos dos dois tostões

da quarta-feira de tarde infinitamente vazia

 

— toninha, minha senhora...

— não se demorem, não roubem, não pequem...

vão com deus, rezem pela salvação da minha alma,

bendito seja o senhor, amén

 

mais vale menos vale rompia manhã cedo

o domingo vadio do chincalhão, dos quartilhos de verde

que te quero tinto, das ladainhas latinas

dos sinos a rebate como doidos pelo anjinho, pelo menino

morto que aparecia na curva da morte

naquele tempo gostava mais das tuas mamas

das tuas grandes mamas alvas e rijas

que punha no nariz para ver o cinema do grande Fellini

e gritava às pedras da muralha : estate bene, fratelli !

 

mas falhei o tiro

fora de tudo

enjoado com o eterno regresso do bochechas

espreito o inesperado regresso do inspector varatojo

sai-me pela frente o miraculado santo agostinho

sonho ainda com quartos de meloa luarentos

 

num mar de chamas !

 

foutre, est-ce bien raisonnable ?

 

Brás da Costa

2005

 

 

 



17/01/2006
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