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francisco martins rodrigues — o pcp e a questão colonial (I)

(Parte I)

O PCP e a questão colonial

 (artigo publicado pela revista eletrónica "O Comuneiro" :

http://www.ocomuneiro.com/)

 

 

 

 

 

É conhecido que, na época da ditadura fascista em Portugal, os interesses e a ideologia colonialista não foram exclusivo do campo salazarista. Manifestaram-se muito fortemente, e até muito tarde, entre as forças e personalidades da oposição republicana e socialista.

O PCP honra-se, com razão, de ter uma posição à parte nessa matéria. Em 1957, o seu 5º Congresso desencadeou a ira de Salazar ao proclamar "o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias portuguesas de África, Ásia e Oceânia, dominados por Portugal, à imediata e completa independência"1. Mais tarde, no início dos anos 70, o PCP animou as principais acções de sabotagem do esforço de guerra, contribuindo para apressar o golpe dos capitães e a queda da ditadura.

Vista de perto, esta história não é porém assim tão linear. O anticolonialismo efectivo do PCP foi muito tardio. Sob a pressão do chauvinismo colonial profundamente entranhado na sociedade portuguesa2, o PCP acabou por ver a luta dos povos coloniais como parte da luta unida das forças democráticas portuguesas contra a ditadura fascista. Nos anos 30 o partido deixou-se mesmo arrastar para a defesa de um colonialismo "democrático", muito semelhante ao da burguesia republicana. E, quando se desencadearam as insurreições coloniais, a reacção inicial do partido foi ambígua e vacilante.

Estes são os factos que procuro documentar com este artigo. Eles desmentem as repetidas declarações do PCP, de fidelidade aos princípios internacionalistas, como a contida numa história do partido editada clandestinamente em 19653, onde se lê que, "com a criação, de facto, de um autêntico partido comunista [depois do afastamento de Carlos Rates], logo se efectuou uma viragem de 180° na compreensão destes problemas e se tomaram medidas para iniciar no nosso país uma campanha anticolonialista e de ajuda à luta dos povos coloniais" e que "os comunistas portugueses têm dado provas de extraordinária intransigência e firmeza... respeitando fielmente os princípios do internacionalismo proletário". Nem é verdade que tenha havido, da parte do PCP, uma "contribuição directa e apoio constante à formação, organização e desenvolvimento da luta pela independência dos povos das colónias portuguesas" prestada pelo PCP, como escreveu Álvaro Cunhal4.

Na realidade, é essa a causa do "atraso por parte do PCP em escrever a sua própria história" a que se refere o mesmo Cunhal: o PCP é incapaz de escrever a sua história porque está confrontado com inúmeros factos que não pode negar nem se atreve a reconhecer.

 

 

TRABALHO COMUNISTA NAS COLÓNIAS

 

Deixando agora de parte a caricata e muito conhecida proposta do secretário-geral do partido, Carlos Rates, em 1923, para a venda das colónias, fruto da imaturidade política e ideológica do PCP nos seus primeiros anos, é um facto que o partido passou, depois da sua reorganização a procurar guiar-se pelos princípios da Internacional Comunista quanto ao direito de autodeterminação dos povos coloniais.

Durante bastantes anos, a direcção do PCP tentou formar nas colónias secções do partido, como fora em tempos recomendado pela Internacional Comunista, com o fim de promover o recrutamento de militantes entre os colonos, desenvolver actividade cultural nas associações e clubes e tentar organizar a luta económica dos trabalhadores africanos – numa etapa larvar da futura luta pela independência. A experiência posterior mostrou que esta actividade, embora guiada pelo desejo de estabelecer laços com os povos coloniais para os despertar para a luta, tinha contudo graves inconvenientes: a propaganda conduzida pelos representantes do povo opressor entre os povos oprimidos ia naturalmente contaminada de paternalismo e de chauvinismo, não conseguia apreender as reais necessidades do movimento libertador desses povos, tendia a semear as ilusões e o espírito de colaboração, contribuía para criar uma elite africana reformista e pacifista, que travava a ascensão das grandes massas à luta pela independência – numa palavra, corrompia à nascença a formação duma corrente nacional revolucionária.

A direcção do PCP, contudo, a braços com uma autêntica luta pela sobrevivência devido à repressão fascista, não se apercebeu deste fenómeno nem deve ter pensado muito na questão colonial e persistiu na mesma orientação, aliás sem grandes resultados práticos para além de um ou outro núcleo comunista de colonos.

Mantinha-se ainda, de qualquer modo, a reafirmação periódica dos princípios: "Total autodeterminação dos povos coloniais e a sua inteira libertação do jugo da metrópole"5; "Direito para os povos coloniais à determinação dos seus próprios destinos"6.

É a partir de 1936 que se dá uma reviravolta brutal na atitude do partido quanto à questão colonial, como bem documenta o Avante da época.

 


A FRENTE POPULAR


Nos anos de 1937-38, o Avante conduz uma acesa campanha contra os apetites alemães que rondam Angola. Citemos o artigo "Angola já é alemã?"7, em que, depois de denunciar a "política de traição nacional do fascismo" que estaria a entregar largas concessões de café e sisal a alemães, se escreve: "Mas estes piratas não se limitam a explorar-nos economicamente: Têm todo o aparelho montado para a rapina desta província no momento oportuno" (sublinhados meus). Semanas depois, o Avante titula em parangonas de primeira página: "Salazar entrega Angola à Alemanha" e argumenta a dado passo: "Salazar não só não teve a mais pequena nota de protesto contra as pretensões da Alemanha (de criar uma companhia majestática em Angola) como, pelo contrário, se apressou a vir deitar água na fervura da indignação popular, dizendo que não havia motivo para sustos" e: "Não é abrindo de par em par as portas de Portugal e das colónias ao capital, à propaganda e à polícia secreta da Alemanha que se pode pôr Portugal e as colónias a coberto da cobiça alemã"8.

Logo depois, um outro artigo alerta explicitamente contra "o perigo da perda das Colónias"9. Logicamente, uma vez que são vistas como parte da Nação: há que lutar contra a "entrega de territórios nacionais ao estrangeiro, o que no nosso caso está duramente demonstrado com a entrega de Angola aos alemães"10 (sublinhados meus).

Em Janeiro de 1938, o Avante insurge-se porque o jornal Unir, publicado pela oposição em Paris, escreveu que no país "ninguém protesta contra a ameaça que pesa sobre o nosso património colonial" Não é o uso da expressão "nosso património colonial" que o incomoda mas o facto de não ser reconhecida a campanha que tem feito em defesa do dito "património"!11

Particularmente chocante o facto de em todos estes artigos não haver, nem de passagem, uma palavra sobre a sorte dos povos das colónias. É indiscutível que estas são vistas efectivamente como coutadas de Portugal. A única notícia vinda das colónias que detectámos neste período refere-se à situação dos colonos de Luanda indignados pela falta de apoio da Metrópole e "por estar a ser atirado para as mãos de estranhos o nosso património colonial"12.

E não se pense que se trata apenas de artigos avulsos, em que o chauvinismo se tenha infiltrado inadvertidamente. Num extenso artigo saído em dois números do Avante, "Os comunistas e a Nação", condena-se a política de "rapina e escravização colonial" de alemães e italianos, mas nada se diz sobre o colonialismo "democrático" anglo-francês, e sobretudo do que pensam os comunistas portugueses acerca do colonialismo português13. É como se tal não existisse.

E não só no Avante. Num folheto editado nesse ano de 1937 com o objectivo de chamar os democratas civis e militares à luta contra a intervenção na guerra civil de Espanha e pelo apoio ao campo das democracias14, há um capítulo intitulado "Salazar entrega as colónias a Hitler" em que, após denunciar a penetração de capitais alemães em Angola, se lamenta que "as poucas empresas portuguesas que existem estiolam por falta de auxílios financeiros". E termina com a proclamação de que "a passagem das colónias, paulatinamente ou por meio de um golpe de força, para as mãos da Alemanha, é a consequência inevitável da política de traição nacional do governo salazarista". Quase nem é necessário acrescentar que também neste folheto não existe nenhuma referência à opressão dos povos das colónias e ao seu direito à emancipação.


Só um verdadeiro terramoto político-ideológico pode explicar esta passagem dos comunistas portugueses, sem complexos e até com orgulho, para a defesa do império colonial. Esse terramoto está perfeitamente localizado: foi a adopção da política das "Frentes Populares" no VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935. Não tendo a Frente chegado a assumir em Portugal efectiva existência, como em Espanha e França, os efeitos dessa política foram, apesar de tudo, devastadores na condução da luta antifascista e na própria integridade do Partido Comunista.

Não, obviamente, porque houvesse algo de negativo na ideia de unir numa frente popular todos os esforços de resistência ao avanço do nazi-fascismo. Mas porque, como julgamos já ter demonstrado largamente noutro lugar15, a frente foi concebida como uma oferta de aliança dos partidos comunistas à burguesia democrática, com as concessões inerentes. Aceite, em nome das necessidades tácticas prementes, a lógica de um contrato antifascista como cúpula do movimento popular, o resto veio por arrasto. Para tornar credível a sua oferta, os partidos comunistas tinham que abdicar de todas as reivindicações revolucionárias, esfumando-as num futuro indeterminado, e comprometer-se a acatar a ordem democrático-burguesa. Isto implicava naturalmente a adesão aos valores da Nação e, em países detentores de colónias, a defesa do "património ultramarino".

Assim, o PCP, para conseguir motivar os agrupamentos da burguesia republicana para a ideia de uma "Frente Popular", dispôs-se, entre outras concessões, a calar as denúncias do colonialismo e mesmo a fazer-se acreditar como defensor esforçado dos interesses coloniais nacionais.

Aliás, um exemplo da nova forma "flexível" como se devia abordar a questão colonial foi dado aos comunistas portugueses pelo órgão oficioso da Internacional Comunista16. Numa entrevista com o antigo chefe de governo da República José Domingues dos Santos, em 1935, este dizia, a certo passo: "O futuro político de Portugal está inteiramente ligado ao das suas colónias. Ora a Alemanha, desde há muito, cobiça as colónias portuguesas. (...) Se o ditador se põe ao lado dos países do 'facto consumado', como poderá amanhã invocar os direitos de Portugal?", etc. (Sublinhados meus). A publicação destas opiniões representava um aval claro por parte da Internacional e não se pode duvidar de que uma tal abertura, vinda de tão alto, terá vencido as resistências que ainda existissem no aparelho e na direcção do PCP; não foi por acaso que o Avante se lhe referiu mais de uma vez de forma elogiosa.

O Programa da Frente Popular Portuguesa (oficialmente constituída em 1936) pagava o seu tributo ao "progressismo" ao "condenar formalmente a política de imperialismo colonial", mas só para acrescentar, imediatamente a seguir, numa incoerência grotesca: "É dentro desse espírito (!?) que será orientada a administração das nossas províncias ultramarinas, parte integrante e inviolável da Nação Portuguesa" (sublinhado meu). Como política dum futuro governo de "frente popular", previa "o estabelecimento, nos territórios favoráveis à colonização branca, de casais de família, que serão entregues aos nossos emigrantes rurais"... "sem prejuízo dos interesses dos indígenas", acrescentava jesuiticamente17. E o representante do PCP assinou este papel!

O Avante, como vimos, nada tinha a opor a estes patrióticos propósitos. Se fez algumas reservas ao projecto de programa18, não foi no tocante aos planos de fomento colonial. Pelo contrário, denunciando (e até exagerando) a penetração alemã em Angola julgavam os dirigentes do partido estar a fazer uma manobra hábil: ao mesmo tempo que sensibilizavam a burguesia para o perigo de se ver esbulhada dos seus negócios coloniais19 se não se apressasse a lutar contra Salazar, demonstravam-lhe o "brio patriótico" dos comunistas. Quem resistiria a tal envolvimento? Esqueceram apenas que, na ausência dum movimento popular realmente potente, prevaleceram na burguesia republicana os reflexos do anticomunismo primário e da cobardia perante o ditador. A Frente Popular Portuguesa, cuja formação foi trombeteada durante meses no Avante, abortou à nascença por falta de candidatos. O PCP sujou-se para nada.

 

 

BENTO GONÇALVES

 

Para repor uma pouco de verdade histórica neste escabroso tema do (anti)colonialismo do PCP nos anos 30 falta falar sobre as posições de Bento Gonçalves, à época secretário-geral do partido.

Como os actuais dirigentes do PCP nunca se esquecem de referir, Gonçalves destacou, no relatório lido no VII Congresso da Internacional Comunista, entre as tarefas a cumprir pelo partido: "... vencer as debilidades da nossa actividade relativa à luta pela defesa dos interesses dos povos coloniais oprimidos pelo imperialismo português, ajudá-los a travar a luta até à sua completa libertação"20. Aqui estaria a prova da atitude de princípio do PCP na matéria.

Deixando por agora de parte a questão de saber se esta tomada de posição surgiu do próprio partido ou foi introduzida no relatório pelos meios dirigentes da IC21, há que questionar o seu real significado prático. Como facilmente se compreende, numa reunião comunista mundial em que estavam presentes delegações de países colonizados a reafirmação enfática da linha leninista do direito à separação e à independência era obrigatória22; mas essa fidelidade ritual aos princípios podia muito bem servir de álibi para toda a espécie de cedências em nome da "táctica". Assim Thorez, que também defendeu nesse congresso, em princípio, o direito à autodeterminação, reclamou com igual vigor que a Argélia devia permanecer unida à França "republicana e tricolor", a bem da luta contra o fascismo...

Tudo o que atrás referimos sobre a política real do PCP na época lança as maiores dúvidas sobre a validade das elevadas intenções internacionalistas proclamadas no congresso da IC. Tanto assim é que, apenas seis meses mais tarde, já preso após o regresso a Portugal, Bento Gonçalves, ao contestar, numa das suas mais importantes declarações políticas, a acusação do Tribunal Militar, omitiu por completo a condenação do colonialismo português – justamente no momento em que mais importava fazê-la. Evocou a questão colonial, mas apenas para tentar mobilizar a burguesia republicana contra o governo. Com a sua política pró-Eixo, denunciou, a ditadura de Salazar arrisca a soberania nacional e a sorte das colónias pois poderá dar lugar a que seja posta "dum momento para o outro, na ordem do dia da política imperialista, a questão do reparto de Angola e Moçambique"23 – o que significava, muito claramente: "Nós, comunistas, preocupamo-nos tanto como os republicanos com o perigo de o país vir a ser esbulhado das possessões coloniais". E, para melhor explicitar o aceno unitário, foi ao ponto de retomar o argumento, tradicional na Oposição burguesa, de que "a Ditadura arrancou às colónias todos os embriões de autodeterminação que lhe haviam sido dados com a revolução de 1910" – insulto gratuito aos povos coloniais, massacrados impiedosamente sob a República. Por muito que nos custe admiti-lo, Gonçalves parece ter confundido as medidas de descentralização administrativa para os colonos decretadas pelo general Norton de Matos, ministro das Colónias em 1915, com a autodeterminação dos povos oprimidos por esses mesmos colonos!

Nem seria necessário insistir nestes aspectos negativos do percurso dum militante operário de grande valor que pagou com a vida a sua luta contra o fascismo de Salazar, se os dirigentes do PCP não teimassem em usá-lo como bandeira do pensamento comunista em Portugal. E aí não se podem tolerar equívocos: Bento Gonçalves, pese embora o respeito que merece como lutador antifascista, revela em todos os seus escritos uma inconfundível formação social-democrata. O seu marxismo visa combinar a luta económica da classe operária com a iniciativa política da burguesia "esclarecida" (uma linha depois seguida por Cunhal) e isso reflecte-se na sua insensibilidade para a questão colonial. O que aliás nada tem de estranho se tivermos em conta o atraso das relações capitalistas no nosso país, que pouco espaço deixava ao movimento operário entre o radicalismo anarquizante e o reformismo.

Seja como for, não é a Bento Gonçalves que se pode imputar responsabilidades pelo delírio colonial-patriótico do PCP em 1936-38. Nessa altura já ele se encontrava no Tarrafal. Coube aos dirigentes que o substituíram, entre eles Cunhal, a maior responsabilidade pelo descalabro político do PCP em 1936-39, graças à aventura capituladora da "Frente Popular".


Perguntar-se-á: como pôde o PCP, temperado na resistência ao fascismo, implantado na classe operária, única força realmente actuante contra a ditadura, deixar-se contaminar a este ponto pelo nacionalismo?

Mas é um falso dilema. A associação antifascismo/nacionalismo nada tem de estranho. O nacionalismo, "o sentimento mais vivo da pequena burguesia" (Lenine), circulava naturalmente nas fileiras da oposição à ditadura. A propriedade das colónias era para ela questão sagrada. Ajuíze-se por esta inflamada mensagem "Aos Novos de Portugal", publicada na imprensa em Maio de 1933 pelo general Norton de Matos: "... conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever"... "esses territórios constituem províncias tão portuguesas como as da metrópole, a nação é só uma"24. Na verdade, Salazar não precisou de puxar muito pela cabeça quando se tratou de justificar as guerras coloniais...

Quando o PCP, no clima de pânico criado pela ameaça fascista mundial, abraçou a táctica de emergência decidida pela Internacional, perdeu as defesas contra a penetração em cascata dos valores burgueses, entre os quais avultava o da legitimidade da posse do "Ultramar".

Aliás, raciocinariam os líderes do partido, que mal tinha esquecer por algum tempo os direitos de emancipação dos povos coloniais, se eles só muito longinquamente poderiam vir a tornar-se uma força activa contra a ditadura? Fazendo essa concessão aos democratas, ganhava-se em eficácia antifascista o que se perdia no plano abstracto dos princípios. Mais: qualquer revolta dos "indígenas" seria altamente inconveniente, porque comprometeria a campanha pela Unidade Nacional contra Salazar e tenderia a deslocar a massa dos colonos e das forças democráticas para o lado do governo.

Os dirigentes do PCP não viam mal em fazer público consumo de chauvinismo para agradar à burguesia republicana. É assim que, em nome das necessidades tácticas, o PCP procede a uma inversão na política de alianças até então proclamada. Sacrifica a solidariedade com os povos das colónias na esperança de obter um grande movimento nacional antifascista; afinal tudo resultaria em bem para esses povos, que mais cedo seriam libertados do jugo fascista... Este foi um processo que conheceram praticamente todos os partidos comunistas e que acelerou a sua transformação em partidos tipicamente social-democratas, embora com uma filiação diferente e uma postura bem mais radical que a dos seus congéneres da primeira geração.

 

 

A CAMPANHA PELA UNIDADE ANTI-SALAZARISTA

 

Reorganizado em 1940-41, o PCP não detectou as causas políticas do desastre a que fora conduzido no período anterior pela linha da Frente Popular. Retomou essa linha geral, apenas corrigida agora com uma postura mais activista mas visando o mesmo objectivo: ganhar a burguesia republicana para uma frente unida com o proletariado, o campesinato e… os povos coloniais. Assim, o PCP manteve durante a Guerra Mundial a porta aberta ao colonialismo da Oposição democrática, fazendo afirmações inequívocas de apoio à dominação das colónias por Portugal.

Em Dezembro de 1941, no seguimento da guerra mundial no Pacífico, tropas australianas e holandesas ocuparam Timor-Leste. Salazar, que fazia o jogo das potências do Eixo, veio dias depois protestar na Assembleia Nacional contra esse "atentado à soberania nacional". A direcção do PCP, ao tomar posição sobre os acontecimentos num manifesto difundido nesse mesmo mês, atacou a hipocrisia de Salazar mas para concluir que a política deste "ameaça fazer perder Timor". No mês seguinte, o Avante nº 6 era ainda mais explícito ao classificar a ocupação australiana de Timor como "atentória da integridade territorial de Portugal", parecendo não se aperceber de que usava quase as mesmas palavras de Salazar. Em Março do ano seguinte, o Avante nº 8 voltava à carga contra a "política de traição que fez perder Timor". A ilha fora entretanto ocupada por tropas japonesas e os dirigentes do PCP visivelmente queriam mostrar à opinião democrática que partilhavam o amor por esse pedaço do Império.

Que esta onda patrioteira não foi fruto de inclinações oportunistas ocasionais na direcção do partido (Júlio Fogaça era então o responsável pela imprensa) prova-o uma nova tomada de posição do Avante sobre Timor, quando o responsável da redacção e secretário principal do partido era já Álvaro Cunhal. Depois de noticiar a cumplicidade das autoridades portuguesas com os ocupantes japoneses, escrevia o Avante: "Enquanto os patriotas [não os patriotas timorenses mas os portugueses] continuam a dar o seu sangue em Timor, o governo traidor de Salazar, que entregou Timor ao Japão..."25 O povo timorense era como se não existisse. E concluía: "Os antifascistas e patriotas que lutam pela liberdade e independência não esquecerão os nomes dos traidores de Portugal". Mais uma vez, não havia uma palavra para o direito do povo timorense à independência, contra japoneses, australianos, holandeses e... portugueses.

Num manifesto então editado incitando o Exército a agir contra a ditadura26, as referências à questão colonial limitavam-se ao protesto contra os "vexames indecorosos para a dignidade nacional" sofridos em Macau e Timor devido à ocupação japonesa e à queixa contra a má alimentação e equipamento das tropas expedicionárias. Da escravização sofrida pelos povos das colónias, nem uma palavra; mencioná-la neste contexto seria naturalmente pouco táctico; interessava sim apelar ao brio patriótico dos militares, mesmo que, para isso, o partido se colocasse dentro da lógica do colonialismo.

Já no 1º Congresso ilegal, em 1943, Cunhal, reconhecendo aos povos coloniais "o direito a constituírem-se em estados independentes", acrescentara uma reserva significativa: "Embora os povos das colónias portuguesas, pouco desenvolvidos sob todos os aspectos, não possam por si sós, nas circunstâncias presentes, assegurar a sua independência"27

Isto, em si, não era falso; grave era a consequência que daqui se tirava: em vez de ajudar esses povos a assumirem o mais depressa possível a sua luta autónoma, encontrava-se aqui uma justificação para anexar o movimento anticolonial nascente ao movimento democrático em Portugal, com a desculpa de que a concessão da independência resultaria em que as colónias portuguesas "tombariam sob o domínio de outro imperialismo"28.A guerra mundial acabou sem que se concretizassem as esperanças na queda de Salazar. Os dirigentes do PCP poderiam ter tirado uma salutar lição sobre a inutilidade das concessões de princípio à oposição burguesa. Não o fizeram.

 

De resto, a perspectiva geral do PCP sobre a questão colonial foi sintetizada nesta época pelos "9 Pontos-Programa" propostos pela direcção do partido aos agrupamentos da Oposição. Nesse documento29 propunha-se, como política de um futuro Governo Democrático de Unidade Nacional, a "aliança livre com os povos coloniais", expressão bem-soante que omitia o essencial: o prévio abandono pelos portugueses de todos os direitos, prerrogativas, privilégios e propriedades adquiridos por ocupação militar e esbulho, e a reparação aos povos vítimas de escravização secular. Com a fórmula aparentemente progressista da "aliança", a direcção do PCP dava a entender à burguesia anti-salazarista que não viria a lutar pelo desmantelamento do Império e estava, pelo contrário, disposta a colaborar na sua actualização, necessária após a derrota do campo nazi-fascista na guerra mundial.

 

O período do final da guerra suscitou uma febril actividade oposicionista, dada a convicção geral de que a Inglaterra, Estados Unidos e França promoveriam a substituição de Salazar por um regime democrático. Desde logo, isto teve um reflexo negativo na posição do partido quanto ao direito de autodeterminação dos povos das colónias – o que só à primeira vista pode parecer paradoxal.

As resistências que ainda pudessem existir na direcção do partido em deixar-se arrastar para concessões ao "patriotismo" colonialista – e que surgem expressas num alerta de 1944 sobre o "perigo que continua a subsistir com a separação do povo português, na luta contra o fascismo, dos seus melhores aliados (os povos das colónias portuguesas)" e sobre a necessidade de "cumprir um sagrado dever para com os nossos irmãos das colónias de Portugal"30 – foram derrubadas pela urgência da Unidade com a Oposição burguesa. Empenhada a direcção do PCP no esforço para ganhar todas as forças democráticas para uma frente unida antifascista, acentuou-se a tendência para cedências políticas e ideológicas em todos os terrenos considerados não prioritários. Para ser aceites no movimento unitário e no esperado Governo Democrático de Unidade Nacional, os comunistas tinham que dar algo em troca. Um dos preços pagos foi a negação do direito dos povos coloniais à independência, porque esse era então assunto tabu para a oposição republicana.

Foi assim que em Julho de 1944 se pôde ler no Avante, num artigo altamente elogioso para o programa que o MUNAF (Movimento Nacional de Unidade Antifascista) acabara de aprovar: "O Programa estabelece que o Governo Provisório defenderá a Unidade de Portugal com as colónias"31. Cedência tanto mais significativa quanto, ainda um ano antes, o partido defendera, no espírito das proclamações dos Aliados, entre os "9 pontos-programa para a Unidade Nacional": "Estabelecimento duma aliança livre com os povos coloniais'. Se bem que esta expressão da "aliança livre" já era razoavelmente ambígua, ela deve ter sido vetada pelos representantes das forças liberais no MUNAF, forçando o PCP a subscrever a "unidade com as colónias". Se tal concessão causou reservas na direcção do partido, pelo menos não transpareceram a público.

 

 

A RUPTURA DA UNIDADE

 

O rompimento pelos republicanos da unidade consentida por breves dois anos no MUD e o clima de histeria anticomunista consecutivo ao começo da Guerra Fria e à entrada de Portugal na NATO foram um duro despertar para a direcção do PCP, ainda para mais golpeada pela onda de prisões de 1949-50.

Aparentemente a nova direcção do partido, liberta dos compromissos unitários, parece disposta a retomar uma posição de princípio sobre a questão colonial. Na sua imprensa, valoriza-se o lugar dos povos coloniais na luta "contra o imperialismo e em defesa da Paz", o que era uma aplicação da campanha então lançada pela União Soviética visando uma frente mundial contra o imperialismo americano. Uma intervenção de "Matos" na 4ª Reunião ampliada do CC, de fins de 1952, mencionava, no final de uma longa enumeração de reivindicações, "a independência e autonomia dos povos coloniais."32 (De registar, porém, que, nas Resoluções dessa reunião a questão colonial surge num curto capítulo, entre a organização das forças armadas e a dos pescadores, sem qualquer referência ao direito à independência). É um facto que, neste período particularmente difícil, o PCP manteve uma posição que o distinguiu da restante oposição. O PCP deu larga divulgação do massacre de centenas de trabalhadores são-tomenses e à denúncia dele feita pelo capitão Henrique Galvão, deputado à Assembleia Nacional fascista, numa intervenção causadora de escândalo.

É em 1954 que se verifica o primeiro passo significativo na matéria, com o projecto de Programa do partido (aprovado na V Reunião ampliada do CC), no qual foi solenemente consignado o "direito dos povos coloniais à autodeterminação, inclusive à separação". No ano seguinte, uma intervenção de "João" (António Dias Lourenço) na VI Reunião Ampliada do CC afirmava enfaticamente que a ajuda do povo português aos povos coloniais "deve ter por objectivo exclusivo a sua libertação do jugo colonial".

Não houve contudo qualquer reavaliação séria dos erros políticos que tinham levado às concessões nos anos anteriores. Afirmando a sua descrença nos "falsos democratas", o PCP conservou o chauvinismo de cor "democrática" que deles recebera. A nota dominante no Avante continua a ser a denúncia da entrega das "riquezas nacionais" aos imperialistas. As colónias continuam a ser vistas como simples reservas de matérias-primas.33 Eloquente, neste aspecto, um protesto publicado em 1950 contra a criação de colonatos em Angola e Moçambique: "O governo fascista de Salazar – escreve o Avante – resolveu deportar milhares de trabalhadores para as colónias, mão-de-obra barata para os imperialistas norte-americanos e ingleses a quem criminosamente entregou o melhor das nossas riquezas coloniais Prossegue denunciando a falta de instalações para receber os colonos, alguns dos quais "se sujeitam a viver em garagens ou nas dependências dos negros por não terem dinheiro para pagar as rendas de casa!"34

Quando se impunha mostrar no reforço da presença colonial o objectivo de utilizar os colonos na repressão a possíveis levantamentos futuros dos povos africanos, apresentavam-se aqueles como vítimas de "deportação" e não exploradores e potenciais carrascos desses povos.

O PCP deu por essa altura larga divulgação ao massacre de centenas de trabalhadores são-tomenses e à denúncia dele feita pelo capitão Henrique Galvão, deputado à Assembleia Nacional fascista, numa intervenção causadora de escândalo.35 Mas, na sua imprensa, os artigos que se referem propriamente à situação dos povos coloniais defendem em regra apenas o seu direito a melhores condições de vida.36 E mesmo aí transparece o cuidado em manter a resistência dos colonizados subordinada aos colonizadores "progressistas". Assim, no Avante: "Uni-vos aos trabalhadores brancos, explorados e oprimidos como vós, que querem derrubar o governo de Salazar e criar um outro que possa trabalhar pela felicidade de todos os trabalhadores, sem distinção de raça ou de cor!"37 Sob esta perspectiva multirracial é a ideia da integração que transparece, não a da autodeterminação.

E isto não apenas em artigos avulsos. Como especificava em 1952 o Comité Central do partido, era missão dos povos coloniais lutar… "ao lado do povo português contra a ditadura de Salazar, pela Democracia, pela Paz, pelo Pão"38. Ou, de forma ainda mais clara, no ano seguinte: "A Unidade Nacional consiste em dirigir as largas camadas da população do Continente e colónias para a acção pelas reivindicações particulares a cada sector da população e por objectivos comuns a todos os sectores da população." E mais adiante: "É necessário compreender e fazer compreender a todos os democratas do Continente e colónias que as possibilidades legais de luta se conquistam apenas pela luta…"39

 

 

CUNHAL EM TRIBUNAL

 

Não se estranhará este chauvinismo, tão ingénuo que nem procurava esconder-se, se tivermos em conta o que sobre a questão escreveu Álvaro Cunhal na intervenção feita perante o tribunal fascista, em 1950. Como se sabe, essa intervenção serviu durante bastantes anos como referência da política geral do partido.

Digamos desde já que a menção que aí se encontra à questão colonial é lateral e sobretudo totalmente omissa quanto ao direito de autodeterminação e independência. Desenvolvendo a tese que sempre lhe foi cara, de que são os comunistas os melhores defensores dos interesses da Nação, traídos pela burguesia (tese com fortes implicações nacionalistas, que curiosamente, Staline retomaria nos mesmos termos dois anos mais tarde na sua alocução ao XIX Congresso do PCUS), Cunhal estende-a às colónias ao enunciar as empresas imperialistas aí instaladas, como se estas fossem um mero prolongamento do espaço nacional. De modo que, quando conclui que "Nós queremos que a economia portuguesa seja libertada do domínio dos imperialistas estrangeiros", está implícita a noção dos recursos coloniais como parte da economia portuguesa.

Mais adiante, ao enumerar as condições para que uma República Democrática seja viável em Portugal, cita, precisamente em último lugar, "a defesa dos interesses da juventude., das mulheres.., dos povos coloniais (hoje dizimados pelo chamado contrato, pelas doenças e pelo chamado trabalho compelido)"40. É óbvia a conclusão de que os povos coloniais eram enquadrados entre os sectores da população que deveriam beneficiar de reformas democráticas, mas não mais do que isso.

Se pusermos em confronto esta defesa de Cunhal em tribunal fascista e a que Bento Gonçalves fizera 14 anos antes, a conclusão forçosa é de que nenhum progresso se dera nas posições do PCP neste período e que os interesses dos povos coloniais continuavam a ser vistos como uma parte dos interesses gerais do povo português. O que é tanto mais grave quanto, no intervalo, houvera a guerra mundial, o começo das independências coloniais e sobretudo o triunfo da grande revolução nacional na China. Porém, no ambiente de imobilismo criado pela ditadura, tudo isso parecia longínquo.

 

 

PRIMEIROS AVISOS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO DAS COLÓNIAS

 

Entretanto, nas colónias, núcleos de comunistas ou por estes animados conseguiam alguma implantação e faziam circular em Luanda e Lourenço Marques ideias emancipadoras junto de franjas de trabalhadores africanos, sendo alvo da repressão41. Do mesmo modo, os escassos estudantes africanos que chegavam a Lisboa nos anos 50 receberam do PCP uma politização que muito favoreceu a aglutinação dos primeiros agrupamentos nacionalistas.

Montou-se porém em torno desta questão da aliança uma mistificação ideológica que importa desfazer. Os povos coloniais eram declarados pelo PCP "aliados do povo português para a luta contra a ditadura fascista", o que era muito diferente da perspectiva leninista de uma aliança revolucionária do proletariado com os povos coloniais com vista à revolução socialista nas metrópoles e à libertação nacional das colónias. Adaptando a consigna leninista ao que julgava serem as condições particulares do país, a direcção do PCP estava de facto a tentar mobilizar os povos coloniais para ajudarem à instauração da democracia burguesa em Portugal, o que não lhes dava quaisquer garantias de emancipação.

É assim que, quando, em 1954, um grupo de estudantes africanos em Lisboa, em que se destaca Mário Pinto de Andrade, inicia reuniões clandestinas para procurar a via da luta de libertação nacional dos seus povos, a primeira reacção da organização estudantil do PCP é censurar-lhes o "intelectualismo" e a "fuga aos riscos da luta anti-salazarista" – na realidade negar-lhes o direito a uma luta autónoma.

Esta desconfiança inicial foi vencida. Mas, oculto sob o slogan principista da "aliança", o chauvinismo colonial "progressista" iria revelar-se incompatível com a etapa superior em que estava a entrar a luta de libertação nacional dos povos africanos.

 

O primeiro anúncio foi, o "caso de Goa", a campanha histérica de alarme desencadeada pela ditadura perante a pressão crescente dos patriotas indianos em torno dos enclaves portugueses. Acompanhando a vacilação geral da Oposição republicana perante a crise, a tónica das posições assumidas pelo PCP foi uma vez mais ambígua, pondo muito mais em foco a necessidade de uma "solução pacífica do problema" do que a inadmissibilidade da caquéctica presença colonial num país que já conquistara a independência.42

Em 1955, o CC, na sua VI Reunião ampliada, defendeu o regresso das tropas, "a negociação em bases sérias com a União Indiana" e "uma solução pacífica", "conforme os desejos e interesses das populações". Condenando de passagem "um colonialismo que fez a sua época", o informe atacava sobretudo a política colonial de Salazar como "ponta de lança das forças da guerra". Sobre o abandono imediato por Portugal daqueles e dos restantes territórios coloniais, sobre a liquidação do império colonial português, nem uma palavra. Pelo contrário, pressupunha a sua continuidade, na medida em que se ficava pelas habituais denúncias da política de "traição" do governo de Salazar ao entregar concessões aos monopólios estrangeiros, ao mesmo tempo que negava à burguesia não-monopolista "a montagem de novas fábricas no continente e nas colónias"(!).43

Era um recuo nítido em relação à atitude dos dirigentes do MND (Movimento Nacional Democrático), levados a tribunal no ano anterior por terem defendido publicamente o direito de autodeterminação do povo de Goa, Damão e Diu.44

O cálculo subjacente a estes manobrismos era, como sempre, a busca das posições intermédias: isolar os fascistas e colonialistas ultras sem chocar os sentimentos da maioria da população e dos democratas. Só faltavam cinco anos para a eficácia destas habilidades ser posta à prova com o começo da guerra em Angola.

 

 

A DECLARAÇÃO DE 1957

 

Como dissemos no início, o 5º Congresso do partido aprovou uma declaração formal reconhecendo o direito à independência das colónias. Foi, no acanhado clima da política oposicionista tradicional, uma pedrada no charco, que viria a ter reflexos positivos no despertar do movimento contra a guerra. O PCP mostrava aperceber-se melhor que as outras forças da oposição dos "ventos da História". Mas, é preciso dizê-lo, não corrigiu os seus desvios nacionalistas.

É que, para além do justo reconhecimento do direito à independência, o congresso colocava como tarefa "um esforço orgânico de todo o nosso partido para ajudar à formação no mais breve espaço de tempo, de partidos comunistas nas colónias, com vida própria"45. Esta fora uma palavra de ordem justa trinta anos antes, mas não houvera forças ou convicção para a levar à prática; agora, quando já havia movimentos de libertação constituídos ou em fase avançada de formação, esta urgência tardia tinha todo o aspecto de uma corrida contra o tempo, não para entrar na luta armada de libertação – o PCP há muito perdera voluntariamente esse comboio – mas para pressionar os movimentos no sentido de uma aproximação à URSS e de uma futura salvaguarda dos interesses dos colonos.

Seguindo esta orientação, foram postas em marcha, em Luanda e Lourenço Marques, tentativas algo precipitadas para a formação desses partidos. Foram goradas no primeiro caso por uma série de prisões (o processo de 1959) e afundadas no segundo, devido à inacção dos poucos comunistas locais.

O início dos movimentos insurreccionais nas colónias apanhou assim a direcção do PCP dividida entre as instruções de Moscovo no sentido de captar a confiança dos dirigentes africanos e os receios pelo impacte negativo que a luta armada exerceria na unidade anti-salazarista e na população em geral.

 

Mesmo correndo o risco de parecer de mau gosto, não resisto a citar-me. Escrevia eu, num artigo publicado no Militante em Maio de 1960: "Não esqueçamos que a luta dos povos das colónias portuguesas pela independência nacional entrará na sua fase superior dentro de um período decerto curto e que o governo dos roceiros e monopolistas não hesitará em passar da repressão surda à guerra aberta, envolvendo o nosso país numa guerra colonial suja e condenada à derrota; será então a altura para se verificar à luz do dia a seriedade do trabalho do Partido junto das massas quanto a este problema vital.

E será bom compenetrarmo-nos de que esse trabalho não é fácil. Seria uma ingenuidade perigosa supormos que uma tradição colonial de cinco séculos poderia ser apagada dum momento para o outro sem deixar marcas profundas em amplas camadas da população".

Concretizando, lembrava a existência "em certos sectores da população de um estado de espírito propenso a ser explorado pelo salazarismo, que apela à 'defesa das províncias do Ultramar", pelo que seria um erro supor que "algumas camadas da população, incluindo mesmo certos sectores da classe operária não possam ser sensíveis, em determinadas circunstâncias à demagogia imperialista e não possam vir a facilitar pela sua expectativa e irresolução o desencadeamento de uma sangrenta e condenada guerra colonial".46

O desenrolar dos acontecimentos nos anos imediatos, se confirmou a razão de ser destes avisos, mostrou também que a direcção do PCP era incapaz de corrigir a sua postura chauvinista — o chauvinismo colonialista era e é parte integrante da sua adesão à democracia burguesa em Portugal.

 

Francisco Martins Rodrigues

 

 

 

(fin da 1a parte)



29/03/2007
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