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o muro da vergonha

O muro da vergonha e a torre da soberba


AUTOR:  Ayman EL KAYMAN

Traduzido por  Fernando Esteves, revisado por Alexandre Leite


Todo monarca que se preze deve deixar a marca de sua passagem fugaz sobre a terra, pelo menos algo monumental que o dignifique e que deixe uma impressão duradoura nos homens e na paisagem. Luís XIV nos deixou Versailles; Shah Jahan nos deixou o Taj Mahal; Miterrand, a pirâmide do Louvre; Hassan II, a mesquita de Casablanca e o Muro do Sara. Dois monarcas árabes não quiseram ficar de fora dessa tradição.

O muro de aço de Moubarak

 Hosni Moubarak, o faraozinho, deixará para a posteridade um monumento peculiar, Al Jidar al fouladhi, “o muro de aço”, que se chamará Jidar al Khazi al Moubarakii (o muro da vergonha de Moubarak). Este muro de aço, fincado a 35 metros de profundidade, está sendo construído ao longo da fronteira entre a Faixa de Gaza e Egito. O muro será acompanhado de um canal subterrâneo que captará água do Mediterrâneo, que servirá também para acabar com os túneis construídos pelos habitantes de Gaza para escapar do confinamento que lhes é infligido. O canteiro de obras está a todo vapor. É supervisionado por oficiais de informações militares dos EUA e França, instalados na embaixada dos EUA no Cairo, tendo um posto de comando avançado em El Arish.

Em meados de dezembro, o general francês Benoit Puga, chefe da DRM (Direção de Informação Militar), visitou o canteiro de obras.

O fato veio à tona no fim do mesmo mês, seguido de imposturas israelenses, o governo egípcio, então, depois de negociar, acabou reconhecendo que a obra estava em curso. Palestinos e seus simpatizantes estão, evidentemente, irritados. As críticas irrompem.

No dia 29 de dezembro, Cheih Yousouf Al Qardaoui, presidente da União Internacional dos ulemás mulçumanos, emitiu um pronunciamento (indevidamente taxado de “fatwa”), definindo a construção do muro como “um crime injustificável” que o Islã não vai tolerar. Lançou um apelo à Liga Árabe e à Organização da Conferência Islâmica para que elas intervenham e ponham termo à obra.

No primeiro dia de janeiro, a palavra final: Cheikh Mohammed Said Tantaoui e seus 25 colegas do Conselho Islâmico de pesquisa científica da Universidade de Al-azhar, que são funcionários religiosos patrocinados pelo governo egípcio, emitiram aquilo quel eles próprios apresentam como uma uma fatwa, declarando que o muro de aço é rigorosamente lícito e mais: aqueles que se opõem “violam os preceitos do Islã”, ou seja, são apóstatas.

Nossos doutores (ou)folislam* explicam: os túneis perfurados pelos habitantes de Gaza sob a fronteira, são usados para contrabando e tráfico de drogas .

 A Torre Infernal de Khalifa

Do outro lado do mundo árabe, no emirado de Dubai (200 bilhões de dólares em dívida) foi inaugurada, segunda-feira 4 de janeiro, a torre mais alta do mundo, Burj Al Abir Al Khalifa (castelo da glória efêmera de Khalifa). A torre tem 828 metros de altura, 164 andares e custou a pechincha de 1,5 bilhões de dólares. Sua construção foi um pouco adiada em 2007 devido à greve dos escravos asiáticos [Revolta na Dubaibilónia Revolta em Dubaibilônia e A intifada dos trabalhadores indianos]

“Por que isso foi construído, vocês se perguntam. Para melhorar a qualidade de vida e colocar um sorriso no rosto das pessoas. As crises vão e vêm, nós construímos para o futuro”, disse Mohamed Alabbar, presidente da Emaar Properties, a maior corretora de imóveis do mundo árabe, que está, alias, na origem do projeto. A torre (marcada por um círculo na foto tirada por satélite) é a jóia de um bairro que custou 20 bilhões de dólares. Ela deveria comportar 12.000 pessoas, escritórios e um hotel. Sabe-se, de fonte segura, que Bin Laden está apenas esperando a entrega de um A-380 para jogá-lo contra a torre do mal.

Até onde sei, o castelo-khalifa não é objeto para qualquer fatwa, nem a favor nem contra. Portanto, a discussão está aberta. Deixo alguns elementos de reflexão para que os ulemás dispostos a considerem a questão.

Entre os sinais da aproximação do dia do Juízo Final, o Profeta ( صلى الله عليه و سلم) , indagado por Jibril (عليه السلم), destaca : verás (...) pés rapados, mendigos e pastores  disputando a construção da casa mais alta”.

“Construirá mesquinhamente, sobre cada colina, um monumento? Construirá um castelo para se imortalizar?”, pergunta o profeta Hud (عليه السلم), descendente do profeta Noah (عليه السلم),  ao povo incréu dos Aad (Corão, Surata 26, Ash-Shuara , Poetas, 128-129) e acrescenta: “temo por vós um castigo terrível”. O castigo virá na forma da seca, trazida por um “vento infecundo”. Os Aad se arrependeram tarde demais de sua soberba.

Para finalizar um poema de Bertolt Brecht, imortal de fato:

   

Perguntas de um trabalhador que lê

Versão brasileira de Haroldo de Campos

Quem construiu Tebas, a de sete portas?

Nos livros, ficam os nomes dos reis.

Os reis arrastaram os blocos de pedra?

Babilônia, muitas vezes destruída,

Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casa

De Lima auri-radiosa moravam os obreiros?

Para onde foram, na noite em que ficou pronta a Muralha da China,

Os pedreiros? A grande Roma

Está cheia de arcos de triunfo. Quem os erigiu? Sobre quem

Triunfaram os Césares? Bizâncio multicelebrada

Tinha apenas palácios para seus habitantes? Mesmo na legendária Atlantis,

Na noite em que o mar a sorveu,

Os que se afogavam gritavam por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.

Ele sozinho?

César bateu os gauleses.

Não levava pelo menos um cozinheiro consigo?

Felipe da Espanha chorou, quando sua armada

Foi a pique. Ninguém mais teria chorado?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem

Venceu junto?

Por todo canto uma vitória.

Quem cozinhou o banquete da vitória?

Cada dez anos um grande homem.

Quem pagou as despesas?

Histórias de mais.

Perguntas de menos.

 

Perguntas de um Operário Letrado

Versão portuguesa de Arnaldo Saraiva

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas reconstruiu? Em que casa
Da Lima dourada moravam os seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China
Para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos.
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas... 


Ayman El Kayman, delegado local da Al Intihad Al Alami Li Talabati Al Houat, União Mundial dos estudantes de teologia amadores.

* O autor  faz aqui um triplo jogo de palavras, do qual se sente particularmente orgulhoso, entre Docteur Folamour, foul (favas em árabe) e oufoul (o fim em árabe). Docteur Folamour é o título francês de um filme de Stanley Kubrick, “Dr. Strangelove” que em Portugal se chamou “Dr. Estanhoamor” e no Brasil “Dr. Fantástico”.


Fonte: Coups de dent - Chronique satirique hebdomadaire sur l'actualité politique française et mondiale-Le mur de la honte et la tour d’orgueil


Artigo original publicado a/em 5 de janeiro de 2010


Sobre o autor

Fernando Esteves e Alexandre Leite são membros de Tlaxcala, a rede internacional de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, aos tradutores, aos revisores e à fonte.

URL deste artigo em Tlaxcala:
http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=9895&lg=po



01/02/2010
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