albatroz - images, songes & poésies

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bocage, carta 6 — alzira a olinda

Carta 6 - Alzira a Olinda



A temerosa Olinda, é quem me escreve?!
E este o seu pudor, sua inocência?!
Ah! Que as minhas lições, tão bem aceitas,
Dão-me a ver que a discípula inexperta
Há-de em breve ensinar a própria mestra.
Olinda não sabia o que excitava
Dentro em seu coração ternos impulsos,
Que tanto a angustiavam... Não sabia
Qual d'estranha mudança em suas formas,
Em seus membros gentis a causa fosse!
A voluptuosa Olinda, devorada
Do mais activo fogo, ingenuamente
Consulta a sua amiga, e a um leve aceno
Corre a engolfar-se na amorosa lida.
Basta um momento a transtorná-la toda!
E porque de tão próspero sucesso
Pretendes, tu, querida, dar-me a glória?
Não, não fui eu, somente a Natureza
Sabe fazer tão súbitos prodígios.
Como depressa ao mal que te inquietava,
Próvida, sugeriu remédio activo!
Como de uma boçal, incauta virgem
Uma amante formou tão extremosa!
A agradável pintura, que bosquejas,
Dos férvidos transportes que sentiste
Entre os braços do amante afortunado,
Não é, querida Olinda, tão sincera,
Como sincera foi a que traçaste
De ignotas emoções a Amor sujeitas.
Já não te exprimes com igual candura.
Filha da reflexão, nova linguagem,
Por artifício mascarada em letras,
Vejo que anunciar-me antes procura,
Após do que se há feito, o que se pensa,
Do que por gradações d'acção e int'resse
Pouco a pouco esmiuçar, dar-me a ver tudo.
Rasga o pudico véu, com que debalde
Aos olhos de uma amiga esconder buscas
Voluptuosas traças, que transluzem
Nas tuas expressões; quando inocente
Menos recato nelas inculcavas,
Eu lia com prazer dentro em tua alma
Os sentimentos que a afectavam todos.
Tenho direito agora a exigir-te
A ingénua confissão desses momentos,
Prelúdios do prazer em que te engolfas.
Quero saber por que impensados lances
Dum amante nos braços te arrojaste;
Como o pudor fugiu, e o que sentiste
Quando, abrasada em férvidos desejos,
Misturados com dor indefinível,
De amor colheste, atónita, as primícias
E provaste entre gostos e agonias
O que uma vez, não mais, pode provar-se.
Tens um amante: eu sou a tua amiga;
Ele te dá prazer, dela o confia.
Gasta os momentos que gozar não podes,
Do gozo em recordar puras delícias.
Nem todo o tempo a amor pode ser dado.
A mor ventura que o mortal encontra,
Seja embora infeliz ou desgraçado,
É lembrar-se que foi já venturoso,
E o não desesperar de sê-lo ainda,
Um termo aos males seus põe muitas vezes.
Alzira foi do teu prazer motora,
A gratidão te obriga a dar-lhe a paga.
É nobre o meu int'resse e não mesquinho;
Pago-me de escutar as tuas ditas,
E, cedendo a meus rogos falso pejo,
Saiba eu teus momentos deleitosos.
Mas vê que o sacrifício que te peço,
Eu própria, generosa, abro primeiro.
Primeiro eu quero tímidos receios
Calcar aos olhos teus; entra em mim mesma,
Vê como reina Amor dentro em minh'alma!
Como só ele faz meus gostos todos!
Chamem embora apáticos estóicos
Ardores sensuais os que me inflamam;
Chamem-me torpe, chamem-me impudica;
Tais vilipêndios valem o que eu gozo.
Venha a rançosa, vã teologia
Crimes fingir, criar eternos fogos:
Eu desafio os seus sequazes todos,
Eu desafio o Deus que eles trovejam!...
Nos mais puros deleites embebida,
Bem os posso arrostar, posso aterrá-los!
Não estremeças, não, amada Olinda;
Longe do fanatismo a turma odiosa,
Que infames leis, infames prejuízos,
Quais cabeças fatais, d'hidra indomável
Para o mundo assolar tem rebentado!
Não há para os cristãos um Deus dif'rente
Do que os gentios têm, e os muçulmanos;
Dogmas de bonzos são condignos filhos
Da fraude vil, da estúpida ignorância,
Da opressora política produtos.
O que Razão desnega, não existe.
Se existe um Deus, a Natureza o of'rece:
Tudo o que é contra ela é ofendê-lo.
A sólida moral não necessita
De apoios vãos: seu trono assenta em bases
Que afirmam a Razão e a Natureza.
Outra vez eu farei que estes ditames,
Com seguros princípios sustentados,
Destruam tua crédula imperícia,
Abafando ilusões que desde a infância
Te lançaram na mente, inculta e frouxa,
Que fúrias tem, que tem Drações e Larvas,
Para os gostos da vida atassalhar-te,
Para a remorsos vis dar existência.
Por ora, segue o culto que te apontam
As emoções da própria Natureza:
Sê religiosa e firme em praticá-lo.
O meu Alcino, a quem eu devo tudo,
Num momento desfez o que em três lustros
Néscios pais procuraram sugerir-me.
Por hábito, adoptei de uns a doutrina;
Por gosto, doutro as máximas sem custo
Dentro em meu terno peito radicaram.
Tu sabes, minha Olinda, quão perplexa
Minha alma balançava entre os combates;
Que a rude educação que recebera,
Dentro de mim mesma opunha sentimentos,
Cujo estranho poder toda me enleava.
Foi neste estado de incerteza e inércia,
Que Alcino despojei: oculta força
Me impelia a adorá-lo, não sabendo
De deleites que fonte inexaurível
Se ia abrir para mim entre seus braços.
Do dia nupcial todo o aparato
Olhava como um sonho!... é impossível
A estupidez, o pasmo em que me via
Traçar aos olhos teus; lembra-me apenas
A inquietação d'Alcino em todo o dia,
E a avidez de prazer, em que enlevado,
Terminado o festim, já alta noite,
Ao toro nupcial foi conduzir-me.
Ficámos sós: eu tímida, agitada,
Em soçobro cruel (qual branda pomba,
Que ao tiro assustador voa e revoa,
Aqui e ali mal pousa, se levanta
Sem guarida encontrar que ao p'rigo a salve)
Palpitava, tremia, e de meus olhos
Corria em fio inespontâneo pranto.
Eu sentia no rosto e em todo o corpo
Espalhar-se o rubor que gera o sangue,
Pelo fogo que toda me abrasava.
Não sei que meigos termos neste tempo
Soltava Alcino; eu nada percebia;
Porém vi que a meus pés, banhado em gosto,
Chorando de prazer, súplices votos,
Ardentes expressões balbuciava.
Pelo meio do corpo com os seus braços
Cingindo-me ansioso, sobre o leito
Me foi em fim lançar. Quando eu ardia
Em chamas de pudor, o mesmo incêndio
Davam a Alcino sôfregos transportes;
Suas trementes mãos me despojavam
Dos nupciais ornatos; e seus beijos
Convulsivos esforços que lhe opunha,
Pagavam com furor, suas carícias
Amiudando, afouto e temerário.
Irosa quis mostrar-me; mas os fogos
Que o pejo tinha aceso, então tomando
Mais activo calor, porém mais doce
Minhas repulsas, de ternura cheias,
A maiores arrojos o excitaram;
Menos tímido, quanto eu mais irada,
Meus olhos, minhas faces e meu seio
Beijava Alcino. Eu, lânguida, fitando
Nele amorosas vistas, reclinei-me,
Sem resistir-lhe mais, sobre o seu colo.
Importunos vestidos, que estorvavam
Seus inflamados beiços de tocarem
Ocultos atractivos... longe arroja.
Então, aos olhos seus (tu bem o sabes,
Quando outrora passávamos unidas
Em inocentes brincos... feliz tempo!)
Meus peitos, cuja alvura terminavam
Preciosos rubis, patentes foram.
Ao voluptuoso tacto palpitante
Mais e mais se arrijaram, de maneira
Que os lábios não podiam comprimi-los.
Meus braços nus, meu colo, eu toda estava
Coberta de sinais de ardentes beijos.
Os leves trajos que ainda conservava,
Em vão eu quis suster: rápido impulso
Guiava Alcino; d'Hércules as forças
Ali vencera... As minhas que fariam?
Co'as forças o pudor desfalecido,
Deixei fartar seus olhos e seus gestos,
«Que lindos membros!... Que divinas formas!...
(De quando em quando, extático, dizia)
Ah! que mimosos pés!... Oh Céu!... que encantos!...
Que graças aparecem espalhadas!...
Que tesouros de amor sobre estas bases!...
Oh que prazer! que vistas deleitosas!...
Alzira, eu vejo em ti uma deidade!
Deixa imprimir meus ósculos aonde
Entre fios subtis se esconde o nácar!...
Deixa esgotar a fonte das delícias!...
Ah! deixa-me expirar aqui de gosto!...
Não mais rubor, Alzira, não mais pejo!...»
Eram brasas, que as carnes me queimavam,
Seus dedos, os seus beiços, sua língua!
Sim; sua língua, bem como um corisco,
Abriu rápida entrada, onde engolfadas
Todas as sensações lutavam juntas;
Pela primeira vez dentro em mim mesma
Senti gerar-se súbita mudança,
Com que de envolta mil deleites vinham.
Comunicou-me sua raiva Alcino,
E na lasciva acção, que prosseguia,
Tal int'resse me fez tomar, que eu própria
A seus intentos me prestei de todo.
Entre incessantes gostos doces gotas
Brotavam sobre os toques impudicos.
Mas quando, ao crebro impulso extasiada,
Cheguei ao cume do prazer celeste,
Ardente emanação de íntimos membros,
Que electrizavam fogos insofríveis,
Inundou o instrumento das delícias,
Como se ao crime seu vibrassem pena,
Ou antes dessem prémios. Afadigado
Na maior languidez, quasi em delíquio,
Alcino veio ao meu unir seu rosto.
Neste instante, eu não sei que desejava;
Sei que o primeiro ensaio dos prazeres,
Em vez de sufocar activas chamas,
Centelhas transformou em labaredas,
Infundiu-lhes vigor inextinguível.
A ardência dos desejos combatia
Receio oculto, sem nascer do pejo.
Num volver d'olhos se despiu Alcino,
E deu-me nu a ver quam bem talhado
D'ombros e lados, com feições formosas,
Seu corpo era gentil; válidos membros
Cobria fina pele; era robusto,
E delicado a um tempo; esbelto, airoso,
Medíocre estatura, olhos rasgados,
Mimosas faces, rubicundos beiços,
Cheio de carnes, sem que fosse obeso,
Igual nas proporções... Eis um mancebo
Digno de a Marte e a Adónis antepor-se,
Não tendo de um a rude valentia,
Nem tendo d'outro a feminil brandura.
Então lancei curiosa ávidas vistas
Sobre ignotas feições. Fiquei pasmada
Ao ver do sexo as distintas formas
Dobrando a extensão. Dobrou meu susto,
Mormente quando, desviando Alcino
Meus pés unidos, entre meus joelhos
Seus joelhos encravou, e com seus dedos
Procurou dividir da estreita fenda
Pequenos fechos, sobre os quais, de chofre,
Assestou o canhão que me assustava.
Ao medo sucedeu uma dor viva,
Como se agudo ferro me cravassem...
Alcino impetuoso ia rompendo
A ténue fenda... Em vão, com mil gemidos
Em pranto debulhada, eu lhe pedia
Que não continuasse a atormentar-me.
O cruel, minhas lágrimas bebendo,
Respirando com ânsia e furibundo,
Com a boca colada sobre a minha,
Meus gritos abafando, me rasgava.
Mais internos pruridos flagelavam
Intactos membros, mais ardor veemente
Abrange a todos do que os outros sofrem.
Copioso suor ardente e frio,
O cansaço d'Alcino, a aflição minha,
Inculcavam assaz que eram baldados
Seus esforços cruéis para romper-me.
Tão árdua intromissão debalde havia
A custo do meu sangue repetido.
Se enorme corpo diminuta porta
Deve transpor, carece de abater-lhe,
Antes d'entrar, humbrais a que se encosta.
A violenta fricção traiu Alcino,
E o membro, que tentava traspassar-me,
Da própria sanha aos ímpetos rendido,
Sucumbiu, espumando horrendamente.
Da eléctrica matéria nas entranhas
Caíram-me faíscas derretidas;
Um vulcão se ateou dentro em mim toda;
O insofrível ardor que me infundiu
Líquido tiro, ao centro já chegado
Por onde apenas o expugnado forte
Da inimiga irrupção indefensável,
Podia receber patente dano,
Tais estragos causou, que mais valera
A entrada franquear ao sitiante.
Já dor não conhecia; chamejava
Meu próprio sangue com violência tanta,
Que lacerar-me as veias parecia.
Na estância do prazer lançara Alcino
Do Montgibello as lavas, e extingui-las
Só torrentes mais fortes poderiam.
Improviso calor calou-me o peito.
Quisera eu já expor-me aos vivos golpes;
Quisera já no meio da carnagem
A batalha suster, ganhar a morte
Ou a vitória, de triunfos cheia.
Tardava a meus desejos ver completa
D'Alcino a empresa; eu mesma o provocara,
Se, enfim, refeito da ufanosa esgrima,
O não visse ameaçar um novo assalto.
A um resto de temor maldisse afouta,
E comigo jurei de não dar mostras
De leve dor, bem que me espedaçasse.
Alcino sotopõe uma almofada
Para o alvo nivelar, e separando
Quanto mais pôde nítidas colunas,
O edifício tentou pôr em ruína.
Ao forte, insano impulso eu respondendo,
(Ah! que o valor cedeu no transe aflito!)
O muro se escalou!... Foi tal a força
Da agonia cruel, que, esmorecendo,
Semiviva fiquei; enquanto Alcino,
Dobrando e redobrando acerbos golpes,
Do reduto de amor o íntimo acesso
Penetra entre meus ais e os meus gemidos.
Outra vez atingiu supremo gozo,
Gozo celestial, cujos eflúvios
Um bálsamo espargiram deleitável,
Que sossegou a dor, chamando a vida.
Letárgicos alentos me abismaram
Num pélago de gostos indizíveis;
Elevaram-me a um céu d'imensas glórias.
Encadeei Alcino com meus braços,
Enlacei-o com os pés entre as espaldas;
Férvidos beijos dando e recebendo
Com frenético ardor, com ânsia intensa,
Chamando-lhe meu bem, minha alma e vida,
Vozes, suspiros confundindo... Tanto,
Tanto enfim apressei dos hirtos membros
Forçosa agitação, que, num momento,
Inefáveis delícias distilando,
Alcino em mim e eu nele ao mesmo tempo,
Libámos juntos quanto prazer pode
Os mesmos homens figurar deidades...
Minha Olinda, que instantes!... Eu não posso
Traçar-te a confusão de emoções novas
Que no êxtase final me transportaram!...
Amarga, acerba dor sucumbe ao gozo
Da ventura sem par... Vitais alentos
Saborear não podem tantos gostos...
É preciso morrer entre deleites,
E fora melhor não tomar à vida,
Que conservá-la sem morrer mil vezes.
Sete vezes Amor, chamando às armas
Seus súbditos fiéis, travou peleja:
Sete vezes Amor bradou «Vitória!»
Da indefesa coragem conduzido
Morfeu veio c'roar nossas proezas.
Eis de que modo a tua Alzira soube,
D'Amor com as lições, sublime voo
Erguer afouta sobre o néscio vulgo.
Este odeia o prazer por vã modéstia,
E as pudicas vestais, escravas do erro,
Não cessam de embrair-nos, afectando
Duma virtude vã mímicas formas,
Que o que se anela mais a encobrir forçam
Forçam em vão, que a Natureza brada,
E ao grito seu, queira ou não queira o mundo,
Curvo depõe ficções da insânia filhas,
Tirando abrolhos que da vida lança
Na aprazível estrada impostor bando.
Assim ornei a fronte radiosa
De vicejante rama, que decora
Vitórias que do erro heróis alcançam.
Toma das minhas mãos, amada Olinda,
Proveitosa lição; tu já começas
Triunfos a ganhar, cheios de glória.
Dócil tua alma a ímpobros dictames,
Dócil será também, de mais bom grado,
As piedosas leis da Natureza.
Retrocede, como eu, da inextricável,
Sinuosa vereda, onde perdidas
Palpamos trevas, tacteando abismos;
Desaprende a fingir: só quadra ao vício
Acobertar-se com mendaces roupas.
A modéstia, o pudor gera a ignorância,
Ou do mal feito um sentimento interno;
O mais é cobardia, ignávia rude,
Que só numa alma vil pode arraigar-se.
Cabe a quem soube respirar, vencendo
Da impostura as traições, um ar mais puro;
Olhar d'em tomo a si, ver quão distante
Pulverulenta jaz infame turba.
Cabe ostentar o garbo e a louçania
Que espanta o vulgo, impondo-lhe o respeito
De que a nobre altivez se faz condigna.
Deixa-lhe os modos, toma o que te cumpre;
Sincera Olinda, tua amiga imita.
Eu não coro de dar-me toda a Alcino,
Nem eu coro também de confessá-lo.
Instintos naturais, se não são crimes,
Como crime será narrar seus gozos?..
Se é inocente a acção, a voz não peca:
Dest'arte saboreia o que estudaste,
E dest'arte falar, ah! não vaciles!...
Não te escuse o pensar que igual pintura
Objecto igual exige, minha Olinda.
Não: nos gostos de amor sempre há mudança,
Amor sempre varia os seus deleites.
Eu mostrei-te o modelo; em mim o encontras;
Usa da singeleza que te é própria,
E abre o teu coração, cheio de gozo,
Qual, antes de o provar, ingénua abriste.
Se expor da sorte infensa a crueldade
Dá lenitivo ao mal que se exp'rimenta,
Sobre-eleva o prazer à extrema dita,
Quando de o confiar redunda interesse.
Eia, querida! anue aos meus desejos:
Rouba um instante a amor, dá-o à amizade.



Bocage

1765-1805
in "Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas"
Publicações Europa-América



23/12/2006
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