albatroz - images, songes & poésies

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bocage, cartas 1, 2 e 3 olinda a alzira & vice-versa

Carta 1 - Olinda a Alzira

Que estranha agitação não sinto n'alma
Depois que te perdi, querida Alzira!
De meus olhos fugiu, sumiu-se o fogo,
Que a tua companhia incendiava!
Por uma vez se foi minha alegria,
Nem a mesma já sou, que outr'ora hei sido!
Minhas vistas ao céu lânguidas se erguem,
E a mim própria pergunto d'onde venha
Tão novo sentimento assoberbar-me?
Não se aquieta o coração no peito,
Não cabe nele; a viva chama no íntimo
Das entranhas ardente me devora,
Sem que eu possa atinar a causa, a origem.
Aqueles passatempos que na infância
Tão do peito queria, em ódio os tenho.
Das mesmas sup'rioras a presença,
Que d'antes para mim era indifrente,
Se me torna hoje dura, intolerável!
Aonde, aonde irão estes impulsos
Precipitar a malfadada Olinda?
Será, querida Alzira, a tua ausência,
Que me faz derramar tão agro pranto?
Debalde a largos passos solitária
Vago sem norte: ignoro o que procuro;
Ah! minha cara! os males que tolero
Expressá-los não posso, nem sofrê-los.



Carta 2 - Alzira a Olinda

Conheço de teus males a veemência,
Prezada Olinda! Eu própria os hei sofrido,
Quando, da mesma idade que hoje contas,
Próvida, a Natureza começava
A preencher em mim seus fins sagrados.
Marcha ela por graus em suas obras:
Precede ao fruto a flor já matizada,
Que fora antes de flor botão mimoso.
Assim a sábia mão da Natureza,
A passos insensíveis caminhando,
Maravilhas em nós produz, que assombram.
Somos na infància apenas um bosquejo
Do que nos cumpre ser anos mais tarde.
Naquela idade a Natureza atenta
Em conservar-nos só, não desenvolve
Sentimentos, que tão supérfluos foram;
Inactivas nos tem, e nos conserva,
Bem como as plantas no gelado Inverno.
Porém, depois que o Sol da Primavera
Fecundo raios sobre nós dardeja,
Então de novas formas animado,
Pula nas veias, afogueado, sangue,
E sem perder da infância os atractivos,
Da puberdade o lustre desfrutamos.
Então sentimos comoções insólitas,
Que origem são dos males que te oprimem,
Do amor que te domina, melancólico,
Da forte agitação que em ti pressentes.
Mas tem tudo remédio, eu hei-de dar-to.
Feliz serás, se o trilho me seguires.



Carta 3 - Olinda a Alzira

Quanto gratas me são as tuas letras,
Querida Alzira! Ao coração me falas!
As tuas expressões meigas ocultam
Em si virtude tal, que, apenas lidas,
Delas a alma se apossa, sequiosa.
Tu és, prezada amiga, único arquivo
Aonde os meus segredos mais ocultos
Eu vou depositar; em ti encontro
O refrigério a males que tolero,
Sem poder conhecer a sua origem.
Se bem me lembro, outrora de ti mesma
Ouvi iguais queixumes, não sabendo
Nem eu, nem tu, donde eles procediam.
Uniu-se a sorte a Alcino, e venturosa
Sempre te ouvi chamar, desde esse tempo.
Cessaram os teus males, eu os sinto...
A idade é (dizes tu) a causa deles.
Ah! Que estranha linguagem! Não concebo
Porque falas assim; pois traz a idade
Males nos tenros anos não provados?
Três lustros conto apenas; tu três lustros
Antes de te esposar também contavas.
Pôs o consórcio a teus lamentos termo;
Limitará os meus? Ah! dize, dize
Tu, que desassossego igual sofreste,
O seu motivo, e como o apaziguaste;
Revela à tua amiga este mistério,
Donde sinto perder o meu repouso.
Eu não exp'rimentava o que exp'rimento:
Os meus sentidos, todos alterados,
Uma viva emoção põe em desordem;
Cala-me activo fogo nas entranhas;
O coração no peito turbulento
Pula, bate com ânsia estranhamente.
O sangue, pelas veias abrasado,
Parece que me queima as carnes todas,
A tais agitações languidez terna
Sucede, que a meus olhos pranto arranca,
E o coração desassombrar parece
Do peso da voraz melancolia.
Té mesmo a natureza tem mudado
A configuração que eu dantes tinha:
Vão-se aumentando os peitos e tomando
Uma redonda forma, como aqueles
Que servem de nutrir-nos lá na infância.
Doutros sinais o corpo se matiza
Antes desconhecidos: alvos membros,
Lisos té'qui, macula um brando pêlo,
Como o buço ao mancebo, à ave a penugem.
Sobressalta-me d'homens a presença,
Eles, a quem té'gora indiferente
Tenho com afouteza sempre olhado!
Ao vê-los, o rubor me sobe ao rosto,
A voz me treme e articular não posso
Sons que, emperrada, a língua não exprime.
Sinto desejos que expressar me custa
Amor... E como a ideia tal me arrojo?
Será talvez amor isto que sinto?
Já tenho lido efeitos de seus danos;
Mas esses que o seu jugo suportaram,
Tinham com quem seu peso repartissem,
Tinham a quem chamavam doce objecto,
Quem a seu mal remédio sugerisse.
Isto era amor; mas eu amor não sinto;
A doce inclinação que dous amantes
Um ao outro consagram, desconheço.
Sim: dos homens a vista lisonjeira
É para mim; nenhum, porém, me prende.
Não sei que chama interna me afogueia...
Amor isto será? Alzira, fala,
Fala com candidez à tua amiga;
Ensina-me a curar a funda chaga,
Que eternamente lavra p'ra mim toda;
Destas agitações que me flagelam,
Mostra-me a causa, mostra-me o remédio.
Tu tiveste-as também, já não te avexam.
Mostra-me por que modo as terminaste.
Talvez do que te digo farás mofa...
Ah! vê que por meus lábios a inocência
Contigo é quem se exprime; tem dó dela!
E se os meus sentimentos são culpáveis,
Dize-mo, que abafados em meu peito
Serei vítima deles; se extingui-los
Os meus esforços todos não puderem,
Comigo hão-de morrer, findar



Bocage

1765-1805
in "Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas"
Publicações Europa-América



23/12/2006
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