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bras da costa - perfilados de desejo

 perfilados de desejo  

 

 

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nao sei quem é joao quadros, nem sei onde foi publicado o seu texto, mas o que sei, é que a sua prosa poética é uma delicia (1)

...a ironia fina do poeta, um regalo para o espirito, o seu requesitorio  frio e sereno contra o peixe sem eira nem beira dos supermercados, uma bofetada bem assente  na fronha  dos canalhas que nos desgovernam;

pena  é que as palavras nao sejam balas prefiladas... e esse horizonte luminoso que nos prometemos desde ha tanto tempo, onde as  novas ideias  se transformarao em força material implacavel, nao desponta a sério em lado nenhum !

por toda a parte, o mundo canibal dos anafados comerciantes  é uma praga, um desespero, uma dor de cabeça cronica, um insulto permanente à nossa intelegencia;

caminhamos derreados pela fatiga e pela angustia, meios tontos, desnorteados, escandalizados até às lagrimas com o descaramento - como é possivel !? - mas impotentes  perante o espetaculo da maquina de produçao capitalista desenfreada !

 

tortolândia perfilada !

 

aqui, na normandia, o pais da maça, o supermercado do bairro

propoe-nos maças do uruguay !

uvas frescas da africa do sul, feijao verde da nigeria...

a cereja passou a ser um produto exotico oriundo da turquia que se compra a 6 euros o kilo!

o limao uma raridade vagamente amarela importada da argentina !

a banana um fruto tao domestico que nem sequer o topamos na paisagem;

se portugal nao tem mar, o tal mar da pesca milagrosa, lamenta-se quadros !...

que dizer da terra sem camponeses !?...

a maquina em geral (monsanto e a supermaquinaria agricola yankee, em particular), inunda-nos com a mercadoria cosmopolita abundante, de paredes meias com a eminente bancarrota universal ... e probavelmente estarao de volta brevemente, os tempos da penuria irremediavel !

 

o caos perfilado !

 

este mundo nao tem concerto; é preciso derrubar tudo e recomeçar noutras bases ! "du passé faisant table rase", proclama desde finais do século XIX

o nosso canto geral,

a internacional

do inspirado poeta Pottier, escrito na ressaca da semana sangrenta, com os olhos postos no massacre dos vinte mil parisienses com que a malograda Comuna de 1871 culminou;

nunca o mundo ressentiu tanto esta necessidade : acabar com o pesadelo capitalista e recomeçar tudo...

 

o futuro perfilado !

 

mas hoje

vivemos o terror paralizante da incerteza

e estamos todos doentes...

perfilados de desejo sim! ...sem saber 

que fazer ?

 

 

Braz da Costa

setembro 2013

 

 

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(1)

"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE)
demonstram que o Pingo Doce (da Jerónimo Martins) e o Modelo
Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores
portugueses." 

Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez
porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de
frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco.
Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico.
Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia,
sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti?

Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.

Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano.

Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém
interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras.
Fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A
minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num
supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras. Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar.

Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo
marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo
marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria
quinhentos de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl.

Eu, às vezes penso:
O que não poupávamos se Portugal tivesse mar.
 
 


JOÃO QUADROS . NEGÓCIOS ONLINE
(TEXTO ESCRITO EM COMPLETO DESACORDO ORTOGRÁFICO)

 

 



07/09/2013
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