antónio aleixo, meu amor já veio de frança
Meu amor já veio de França
MOTE
Meu amor já veio de França,
Trouxe-me uma biciclete;
Ele diz que aquilo cansa,
Mas também não paga frete.
GLOSAS
No dia em que ele chegou
Foi ao meu sítio passear,
P'ra me ver e p'ra mostrar
A lembrança que comprou.
Quando em minha casa entrou,
Eu vi a linda lembrança,
E assim me nasceu a esperança
De andar naquilo também...
Fui dizer à minha mãe:
Meu amor já veio de França.
«Se queres, monto-te agora...»
Montou-me, mas foi agoiro,
Aquilo deu logo um estoiro.
Ele disse: «Não demora.»
Tirou a coisa p'ra fora,
Que noutra coisa se mete,
Deu seis sacadas ou sete,
E logo a roda se encheu.
Enfim, para andar mais eu
Trouxe-me uma biciclete...
Às vezes manda-me pôr
No quadro, à frente, e abala.
Depois, ele é que pedala,
Mas entrega-me o guiador.
Já tenho dito: «Ai, amor,
Com que força isto avança.»
Gosto de andar nesta dança,
Pois não pedalo, nem nada;
Eu vou muito descançada,
Ele diz que aquilo cansa.
Na velocidade, murmuro,
Digo: «Ai, amor, vou p'ro céu...
Vê lá se rompe algum pneu,
Conta amor com algum furo...»
Diz ele: «O pneu está duro,
Só um prego que se espete,
Ou alguma camionete
Que não buzine, nem toque.»
Sujeita-se a gente ao choque,
Mas também não paga frete!
António Aleixo
1899-1949
in "este livro que vos deixo...", Casa das Letras
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